Vieses Inconscientes e Justiça Presumida: os riscos neurocientíficos por trás da Súmula 443 do TST

Neste artigo, trago uma análise crítica e provocadora sobre a Súmula 443 do TST à luz da neurociência e dos vieses inconscientes que influenciam julgamentos judiciais. Discuto os riscos de presumir discriminação sem provas concretas e como o Judiciário, ao tentar proteger, pode acabar projetando seus próprios automatismos mentais sobre as empresas. Com base em estudos de Daniel Kahneman, psicanálise aplicada ao direito e princípios de julgamento ético, este texto convida à reflexão sobre os limites entre empatia e equidade, proteção e exagero, intenção e evidência. Um artigo necessário para quem atua com relações de trabalho e deseja compreender como o inconsciente impacta decisões que deveriam ser racionais.

Simone Feuser

6/3/20253 min read

a statue of a person holding a staff
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Introdução

A Justiça deveria ser cega, mas ela também é humana. E onde há humanidade, há inconsciente. Onde há inconsciente, há viés.

A Súmula 443 do TST, ao presumir que a dispensa de um trabalhador doente é automaticamente discriminatória, revela uma intenção nobre: proteger. Mas, paradoxalmente, essa mesma súmula pode estar alimentando o que ela pretende combater: decisões automatizadas, generalizações perigosas e julgamentos que não partem de provas, mas de projeções.

Sob a lente da neurociência e dos estudos sobre vieses cognitivos, é urgente repensar a forma como decisões judiciais estão sendo tomadas, porque o inconsciente, quando institucionalizado, pode se tornar ainda mais perigoso do que o preconceito que tenta punir.

O ponto cego do bem-intencionado: quando o Judiciário projeta

Do ponto de vista neurocientífico, toda decisão humana — inclusive jurídica — é atravessada por atalhos mentais que economizam energia cognitiva. Chamamos isso de vieses inconscientes. Daniel Kahneman, prêmio Nobel, já demonstrou que nossa mente opera, em grande parte, no modo automático (Sistema 1), baseado em emoções, associações e experiências passadas.

Quando o TST presume, por padrão, que uma dispensa é discriminatória por envolver doença, está operando dentro de um dos vieses mais documentados: o viés da confirmação. Parte-se de uma hipótese (doença = preconceito) e, em vez de buscar a prova concreta, exige-se que o empregador prove o contrário.

Mas quem julga com base na exceção pode criar distorções. Nem toda dispensa de pessoa doente é discriminatória. E, mais grave ainda, nem toda doença configura automaticamente vulnerabilidade social. Generalizar é abrir a porta para a injustiça inversa: punir sem culpa, proteger sem critério.

A neurociência do julgamento

Estudos de neurociência comportamental revelam que, sob alta carga emocional — como em casos de doença, dor ou sofrimento — o cérebro tende a favorecer respostas que envolvem proteção e empatia ao lado mais frágil. Essa ativação de circuitos afetivos é nobre, mas pode gerar um fenômeno chamado dissonância moral seletiva: sacrifica-se a análise fria dos fatos para defender uma narrativa emocional.

Esse efeito é amplificado quando o julgador compartilha da mesma vulnerabilidade ou tem medo inconsciente de se ver naquela situação. Isso é o que chamamos de projeção simbólica — ou, como diria Freud, “o eu se identifica com a dor do outro e julga a partir do desejo de reparação interna”.

Na prática, isso pode transformar a jurisprudência em terreno pantanoso: uma decisão baseada mais na empatia que na equidade.

O efeito dominó da presunção: insegurança jurídica, medo e distorções empresariais

Ao inverter o ônus da prova sistematicamente, o Judiciário alimenta uma lógica reativa nas empresas. Elas começam a manter empregados doentes não por consciência, mas por medo. O que poderia ser um avanço humanizado, se transforma em terreno fértil para hipocrisia institucional.

Mais do que isso: a ampliação interpretativa da Súmula 443 ao não exigir que a doença cause estigma ou preconceito, como vem ocorrendo com algumas decisões judiciais, esvazia a sua origem — que era combater preconceitos concretos — e a transforma num gatilho generalizado de insegurança jurídica.

A pergunta é: qual o limite entre proteger e presumir? Quando a exceção vira regra, a regra vira exceção.

A neurociência propõe uma alternativa: individualizar, não presumir

Neurociência, psicologia do julgamento e psicanálise já mostram: só há justiça real quando há escuta ativa, investigação precisa e suspensão dos automatismos. O Direito precisa voltar a ser concreto. Cada caso é um universo e o inconsciente coletivo que move as decisões não pode substituir as provas.

Presumir intenção com base em diagnóstico é o mesmo que julgar caráter com base em aparência. O perigo está em achar que o nobre fim justifica o meio enviesado.

Conclusão

A Súmula 443 nasceu de uma necessidade legítima, mas precisa ser revista à luz dos novos tempos e da ciência da mente, porque o excesso de proteção, sem critério técnico e jurídico, gera distorções tão graves quanto o preconceito que se quer combater.

O verdadeiro avanço será quando conseguirmos proteger o trabalhador sem punir injustamente o empregador. Quando pararmos de julgar com base em atalhos mentais. Quando o Direito caminhar lado a lado com a psique e não apenas com a intenção moral.

Essa reflexão não é sobre tirar proteção de quem precisa; é sobre devolver racionalidade a quem decide. Porque quando o Direito se afasta da prova e se aproxima da suposição, ele deixa de ser justo para se tornar reativo.